Problemas na coluna vertebral são comuns para a maioria da população, provam os estudos. E há vários motivos causadores de dores, tanto na região lombar quanto na cervical, os quais têm a ver com diversos fatores que podem, e devem, ser levantados numa consulta médica de longa duração. Esse é o tema de um artigo recente publicado no jornal Folha de S.Paulo, de autoria do professor de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo, José Goldenberg, que também é médico do Hospital Israelita Albert Einstein.
O texto do especialista chama a atenção para a necessidade de valorizar menos os exames radiológicos e muito mais a conversa com o paciente. Até porque, salienta Goldenberg, existem mais de 50 causas possíveis para problemas de coluna. “É lastimável que o médico deixe de avaliar o doente de forma integrada, cuidando apenas da doença, e não do ser humano”, diz ele, salientando que o raciocínio médico não raro acaba sendo substituído pelas imagens geradas pela tecnologia, “por vezes com qualidade questionável”, nas quais o profissional se apoia para diagnóstico e tratamento.
Para o reumatologista e coordenador da Comissão de Coluna da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), Marcos Renato Assis, o artigo de Goldenberg é importante na medida em que as dores na coluna representam um dos problemas de maior prevalência entre todas as doenças. Segundo ele, já se apurou que mais de 80% da população mundial tem queixas desse tipo ao longo da vida. Um dos pontos relevantes citados no artigo do colega, segundo o especialista, é o impacto social decorrente das limitações e dos afastamentos por dores na coluna, além do reflexo individual dessa situação no dia a dia. “As pessoas cujas atividades envolvem basicamente seu físico dificilmente são remanejadas no emprego e muitas vezes acabam afastadas, o que provoca um sentimento de desvalorização pessoal e agrava o quadro de dor”, entende.
Lombalgia e cervicalgia
Assis explica que as dores na coluna vertebral concentram-se em duas áreas: a lombar, que provoca a lombalgia, e a cervical, que ocasiona a cervicalgia. Na maioria das vezes, trata-se de um problema agudo, que dura poucos dias ou semanas, e o paciente deve estar curado num período de até três meses. Mas, se o caso for de dor crônica, cuja duração ultrapassa de três a seis meses, o tratamento é mais complicado. Visa à cura, em algumas situações, mas, em outras, se volta ao controle ou ao alívio dos sintomas e das limitações. Entre os fatores que desencadeiam ou agravam tais dores, o reumatologista cita o tabagismo, a obesidade, o estresse, o sedentarismo, a má postura, a ansiedade e a depressão.
Diversos males também dão origem a essa manifestação, como doenças infecciosas, tumorais e autoimunes, fraturas vertebrais, lesões discais e compressões nervosas. Outras afecções podem manifestar-se por dor lombar, quando acometem órgãos do abdome e da pelve, e por cervicalgia, quando envolvem estruturas do pescoço. Especial atenção deve ser dada ao acometimento de crianças ou idosos e à dor de caráter inflamatório – que piora ao repouso e tende a melhorar com a progressão do movimento.
Além de tudo isso, elementos como febre, emagrecimento, diagnóstico de artrite ou câncer, problemas urinários e sintomas gastrointestinais merecem um olhar cuidadoso do médico, pois podem sugerir uma enfermidade específica causadora de dor na coluna.
A detecção desses sinais de alerta vermelho (red flags), explica Assis, indica a solicitação de exames complementares. Há ainda sinais de alerta amarelo, ou seja, atitudes e contextos que contribuem para que a dor se torne crônica, como distúrbios de ordem psicoafetiva, insatisfação com o trabalho e até algum ganho secundário com a própria dor: “Neste último caso, a pessoa é alvo de atenção e de cuidados que não receberia se não houvesse o problema”, esclarece o coordenador da Comissão de Coluna da SBR. “Essa situação proporciona alguma satisfação, de tal maneira que ela permanece com a dor num processo crescente de autopiedade, mesmo sem ter consciência disso”, continua.
O papel da imagem
Assis também comenta o que foi mencionado por Goldenberg, em seu artigo, quanto à alta valorização dos exames radiológicos: “De longe, a melhor maneira de tratar as dores na coluna é levantar o histórico do paciente numa longa conversa e num detalhado exame físico”, acredita o médico, ressaltando que a imagem obtida nem sempre corresponde aos sintomas relatados, o que pode resultar num tratamento que não será eficiente porque não vai atacar o problema real.
Segundo ele, existem estudos que mostram que é alta a presença de alterações em exames de coluna, principalmente nos de maior definição, como a ressonância magnética. “Na maioria das vezes, são alterações assintomáticas, só que, se o profissional for descuidado, irá valorizar a imagem sem a ponderação sobre o paciente e não vai resolver a dor”, observa o especialista. Se houver necessidade de métodos de imagem, entende, estes terão de ser correlacionados com o que se apurou no exame físico e nos questionamentos feitos à pessoa que está com a queixa.
De qualquer modo, o que causa maior impacto no tratamento é a mudança no estilo de vida do indivíduo, ou seja, abstinência de cigarro, controle de peso e prática de atividade física, entre outros aspectos. E mais: “O médico tem de estabelecer um vínculo com o paciente, o que implica conversar calmamente com ele, com tempo, para dar uma boa orientação e aumentar o nível de confiança, sobretudo para quem sofre cronicamente com a dor e pode precisar de reavaliações regulares”, sustenta Assis.
O fato é que, para o reumatologista, os problemas de coluna são um “convite” para uma mudança nos paradigmas do exercício da medicina, no sentido de preservar a relação com o paciente e resistir à valorização excessiva dos exames complementares.