Existe uma postura ideal para o corpo? Não, não existe. Foi o que demonstrou uma reportagem publicada neste mês pelo jornal Folha de S.Paulo, ao abordar o que denominou de um “novo conceito” para falar de postura. O texto referiu que essa nova visão aposta mais na flexibilidade do que em modelos de colocação certa do corpo. E concorda com isso o coordenador da Comissão de Coluna da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), o reumatologista Marcos Renato Assis: “Não há padrão universal para a postura”, diz. “Existem orientações gerais, vindas do médico, mas cada corpo tem sua própria postura.” E buscar a melhor vai envolver cada momento, dependendo da tarefa que está sendo realizada. “O caminho é um bom desempenho de cada atividade de maneira cômoda e com economia de energia”, salienta o médico. Em relação aos transtornos advindos de uma postura inadequada, Assis explica que o maior foco são as atividades viciosas, que se prolongam por muito tempo, sem intervalo – como ficar horas diante do computador –, ou a falta de exercícios físicos, essenciais ao desenvolvimento de uma postura cômoda e adequada no cotidiano. “As dores acabam surgindo, em geral, por um excessivo tônus muscular – o estado basal de contração do músculo em repouso –, associado à fraqueza de certos músculos, o que acaba favorecendo as contraturas e consequentes dores”, ensina. Um dos problemas mais frequentes, diz o médico, envolve a região entre o pescoço e ombro, na qual está o músculo trapézio. “Grande parte advém da anteriorização de cabeça e do ombro, ou seja, do hábito de esticá-los para a frente, o que ocorre muito em atividades como leitura, escrita ou trabalhos manuais”, esclarece. Essa anteriorização, segundo o reumatologista, promove um desequilíbrio da musculatura, com o encurtamento de músculos na parte da frente do pescoço e de transição da cabeça com a nuca. “Convém lembrar que a postura é o resultado da tentativa de equilíbrio de várias partes do corpo, dos pés à cabeça”, assinala Assis. A conquista da postura adequada Há providências simples que podem resultar numa postura mais adequada em cada atividade, diz o reumatologista, mencionando, por exemplo, a utilização de uma vassoura de cabo mais longo, ao varrer a casa, para evitar que o corpo fique curvado durante a limpeza, ou o uso de um avental, ao lavar a louça, para garantir a proximidade do corpo com a pia. Contudo, além da correção dos hábitos, por vezes de muitos anos, existe a conformação corporal de cada um, que está relacionada a vários elementos. Um dos aspectos dessa questão pode remeter à infância. “O osso tem uma programação para crescer, mas também responde a cargas que são exercidas durante o desenvolvimento”, explica o coordenador da Comissão de Coluna da SBR. “Então, conforme o tipo de pressão, pode-se modelar uma estrutura óssea diferente de um padrão de referência”, continua. Assim, diz ele, se o médico percebe que o paciente já tem, há anos, uma cabeça anteriorizada ou a região de cima das costas mais curvada, não vai forçar simplesmente a pessoa a corrigir a postura. “Isso se conquista gradualmente com o alongamento de uma musculatura e o fortalecimento de outra, mas respeitando a constituição do indivíduo e conferindo-lhe liberdade de movimento”, observa. Anatomia emocional Assis também comenta outro ponto levantado pela reportagem da Folha, a “anatomia emocional”, uma linha terapêutica desenvolvida pelo norte-americano Stanley Keleman, segundo a qual as áreas do cérebro ligadas às emoções tanto regulam as regiões responsáveis pelo controle motor e muscular quanto são reguladas por elas. Como exemplo dessa linha, o reumatologista cita as crianças, cuja linguagem corporal apresenta maior espontaneidade: ao ficarem tristes, abaixam a cabeça, fecham os braços, olham para o chão; se felizes, abrem os braços, levantam a cabeça e erguem o olhar. É a linguagem do corpo, sustenta ele, que envolve sinais que o médico procura enxergar. “É uma linguagem, aliás, analisada em várias áreas da medicina no contato com o paciente”, salienta. O médico lembra ainda que, algumas vezes, a postura é assumida como representação de um papel ou de um desejo advindos de pressão social. Em nosso meio, por exemplo, mulheres podem ser mais valorizadas quando as nádegas estão mais projetadas, mais salientes, “um posicionamento que pode ser conseguido à custa de acentuação da curvatura lombar, com implicações de rotação e extensão em membros inferiores”, sublinha. Em outro caso, prossegue, o indivíduo pode sentir-se julgado pelos outros devido à sua postura em particular: “Veja que, em muitos desenhos animados, os bandidos são corcundas e os heróis têm o tórax projetado para frente”, exemplifica.
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