As pesadas mochilas carregadas pelas crianças para ir principalmente à escola foram o tema de uma reportagem do jornal Zero Hora. O texto fala sobre eventuais malefícios à coluna, danos ortopédicos, desvios, entre outros e chega a citar que algumas mochilas passam dos 5 kg, carregadas por crianças que não chegam a pesar 40 kg.
Comentando o tema, o reumatologista e coordenador da Comissão de Coluna , Marcos Renato de Assis, cita, para ilustrar, alguns estudos referentes ao uso da mochila pelas crianças, já que esse é um costume em vários países. Um recente estudo transversal (análise em um único momento) com escolares na Espanha (Rodríguez-Oviedo e colaboradores) verificou que 61,4% de 1.403 crianças carregavam mochilas com mais de 10% do seu peso corporal, um dos limites recomendados para se respeitar.
Aquelas que carregavam maior carga mostraram risco 50% maior de terem dor nas costas, diz Assis, citando ainda que a recomendação de respeitar os 10% do peso corporal também é vista num estudo (Bauer) com crianças que carregaram mochilas enquanto andavam de bicicleta. Há ainda outro trabalho, feito nos EUA, (por Talbott e colaboradores) com 871 escolares, em que metade das crianças relataram sentir a mochila muito pesada e isso foi associado à dor nas costas.
A ocorrência de dor também esteve associada ao peso medido da mochila, ao tempo em que era carregada, mas também à região onde a criança morava. “Isso mostra que não só a carga da mochila e a relação com o peso da criança importam, mas como essa criança percebe o peso e quais são suas características sociodemográficas”, explica Assis. Há ainda um estudo (Puckree e colaboradores) que mostrou não haver relação com o peso exato da mochila, mas com a percepção de esforço para carregá-lo ou com a sensação de fadiga, “o que salienta a enorme diferença que pode existir entre escolares”.
E qual seria então o peso adequado para as mochilas? O reumatologista explica que se tem buscado definir esse peso, principalmente baseado em percentual do peso da criança e posições mais adequadas para carregar a mochila. “No entanto, não temos um estudo de acompanhamento que assegure essas afirmações e no momento nos baseamos em princípios de ergonomia, em alguns dados de poucos estudos bem feitos e no bom senso”.
Nesse caso, diz Assis, sugere-se que mochilas sejam carregadas mais próximas do tronco, e que não tenham mais do que 10% ou 15% do peso corporal, sem diferença de carga de um lado para outro para que sejam evitados os desvios compensatórios que poderiam se relacionar a dor e surgimento de problemas na coluna. “Mas nem sempre é fácil diferenciar um pouco de sobrecarga que faz parte de exercícios para desenvolvimento musculoesquelético saudável da sobrecarga excessiva que predispõe a lesões”, salienta.
A alternativa de carregar a mochila na frente e não nas costas, diz Assis, esteve presente no estudo de Bettany-Saltikov e Cole que analisaram alterações em posturografia em crianças que carregavam mochilas com 15% do peso corporal. Eles demonstraram que a mochila na frente causa leve desvio do tronco para trás (extensão da lombar), porém carregar a mochila sobre um dos ombros ou na mão causa mais alterações da postura, com desvios em planos diferentes. “É provável que seja mais seguro carregar a mochila na frente, embora seja mais comum vê-las apoiadas nas costas”, diz Assis.
Quanto ao peso nos ombros, a tensão das alças depende do peso da mochila, da largura e do material das alças, do seu ajuste e de eventuais alças que se prendem à altura do abdômen, segundo estudo feito por Korovessis e colaboradores. Assis também comenta que, numa época em que livros, cadernos, equipamentos esportivos e dispositivos eletrônicos (como laptop) disputam espaço em mochilas, o uso de rodinhas e puxadores pode ser uma alternativa interessante.
Variações individuais
Embora essas recomendações devam ser favoráveis, de modo geral, explica Assis, individualmente pode existir muita variação, pois existem outros elementos importantes como fatores pessoais, estrutura física, reações individuais a cargas, força muscular, altura, postura, idade, sexo e fatores psicológicos, além de distância/tempo para ir à escola e meios de condução.
Segundo ele, revisões sobre o assunto (Lindstrom-Hazel; Reneman) têm apontado maior relevância de outros fatores psicológicos e sociais como determinantes do surgimento de dor nas costas, do seu impacto em atividades e também do seu risco de cronificação. “E o que se sabe é que meninas estão mais sujeitas à dor que meninos e a adolescência faz aumentar o risco de surgimento de dor.” Portanto, Assis acha importante salientar que carregar mochilas deve ser alvo de preocupação, “mas não de modo simplista, pois não se deve esquecer fatores como estado pobre de saúde, história familiar de dor, padrões psicológicos, tempo gasto em frente à televisão, história de trauma ou exercício físico muito intenso, em especial em nível competitivo”.
O reumatologista conclui dizendo que hábitos saudáveis e estilo de vida equilibrado sempre têm espaço em recomendações. “Os pais devem seguir participativos e atentos, procurando saber o que há dentro e fora das mochilas.”
Jornalista responsável: Maria Teresa Marques